Dentro de pouco menos de um mês, no dia 16 de julho, a Lei Geral de Telecomunicações completa 20 anos de existência, e com ela também o modelo vigente para a exploração dos serviços. Este mesmo modelo estabelece que as concessões de serviços prestados em regime público, com garantias de universalização e continuidade, seriam prestado de maneira sustentável e equilibrada. No caso do Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC), que reinava absoluto quando a LGT foi pensada, o serviço seria prestado até 2025, quando vencem os contratos atuais.

Mas o modelo morreu oito anos antes da hora. E a alternativa de novo modelo que vinha sendo discutida no Congresso, com o PLC 79/2016, está engavetada até que as condições políticas permitam a retomada das discussões no Senado, o que, convenhamos, parece cada dia mais distante. Vinte anos depois da LGT, o setor de telecomunicações vive o que talvez seja a sua mais profunda e aguda crise, o velório do seu próprio modelo, e não tem nada de novo para ocupar o lugar.

Na verdade, esta morte aconteceu há alguns anos, e a delicada situação financeira de duas concessionárias (Oi e Sercomtel) apenas mostra que esqueceram de enterrar o morto, ou de tentar salvá-lo, ou de dar um final digno para ele.

Como a realidade insiste em desafiar os modelos legados, este ano o serviço de voz tornou-se, definitivamente, um complemento aos demais serviços. A Claro e a TIM passaram a oferecer voz ilimitada em seus pacotes pós-pagos do serviço móvel, independente da rede. A Net anunciou na semana passada que ligações de longa distância internacional também seguem o modelo ilimitado. Lembrando que este foi, por décadas, um dos negócios mais importantes da sua irmã (e concessionária) Embratel. É questão de tempo até que as outras operadoras sigam o mesmo rumo.

Equilíbrio

Pelo menos uma concessionária tem dado sinais de que deve, formalmente, provocar a Anatel sobre o reequilíbrio do contrato de concessão de STFC, uma situação que há algum tempo já está nas linhas e entrelinhas dos debates setoriais. Este ano, ou no máximo no começo do próximo, esta concessão deixa de ser sustentável e passa a operar com rentabilidade negativa nas condições vigentes.

O contrato de concessão do STFC, em seu Capítulo XII, estabelece as condições de reequilíbrio contratual. Não está previsto o reequilíbrio quando o problema for decorrente do risco do negócio ou de gestão ineficiente da empresa, mas apenas quando fatores externos imputarem à concessionária um ônus não previsto.

Muitos podem ser os argumentos a serem levantados:  troca de índice do reajuste do IGP-DI para o Índice de Serviços de Telecomunicações (IST), em 2005; a inclusão de metas de backhaul no Plano Geral de Metas de Universalização de 2010; mudanças na interpretação da agência sobre a amplitude do conceito de bens reversíveis; mudança no Plano Geral de Outorgas em 2008; aumentos sucessivos de ICMS pelos Estados; apropriação pelo Tesouro dos recursos do Fundo de Universalização das Telecomunicações (Fust)… São hipóteses que ainda precisarão ser testadas e aprofundadas juridicamente.

A LGT também prevê, em seu artigo 115, que “a concessionária terá direito à rescisão (contratual) quando, por ação ou omissão do Poder Público, a execução do contrato se tornar excessivamente onerosa” e, em seu artigo 66, diz que “quando um serviço for, ao mesmo tempo, explorado nos regimes público e privado, serão adotadas medidas que impeçam a inviabilidade econômica de sua prestação no regime público”.

O contrato de concessão estabelece que a preferência para reequilibrar contratos seja pelo reajuste de tarifas. Mas no contexto atual, aumentar a tarifa de telefonia fixa só aceleraria a morte do doente. O caminho seria, então, reduzir as obrigações regulatórias, impostas na regulamentação e no Plano Geral de Metas de Universalização. Será uma discussão complicada para uma Anatel já atolada em problemas.

O fato é que a concessão, se de um lado trás muitos ônus para as concessionárias, por outro dá a elas pelo menos algumas garantias contratuais e legais que, em um momento de esgotamento econômico do serviço, poderão ser acionadas. De alguma forma, a União divide o risco do modelo com as empresas.

O quadro, contudo, é desalentador. Seja porque a falência, a intervenção, ou a caducidade da concessão de duas empresas é um problema real e no horizonte imediato, seja porque a exploração do serviço já dá margem para uma discussão iminente sobre o reequilíbrio do contrato de concessão, o fato é que estão hoje sobre a mesa todas as alternativas previstas em lei há 20 anos para serem usadas apenas em casos extremos, se tudo desse errado.

Desde 2009, quando se discutiu o Plano Nacional de Banda Larga, não existe nenhuma discussão completa (com começo, meio e fim) sobre uma nova política setorial. Há iniciativas no Legislativo e projetos incompletos no Executivo, mas a agenda de longo prazo ficou parada em função dos problemas conjunturais de curto prazo. Não é exclusividade do setor de telecom, mas aqui a falta desta visão de futuro torna-se mais dramática, porque a realidade teima em andar mais rápido. Sem falar fatores externos, como crises e disputas político-partidárias, a atuação do Tribunal de Contas, recessão econômica com forte impacto sobre o consumo e rápido avanço da competição com outros setores.

Tudo isso só atesta o fracasso político-regulatório do setor, que não conseguiu se antecipar a estes problemas quando havia tempo e melhores condições econômicas para uma solução, com uma modernização do próprio modelo e resgate dos princípios da Lei Geral de Telecomunicações. Lembrando que esta responsabilidade cabe, por lei, ao Poder Público, que tem o dever de, repetindo a LGT:

“I – garantir, a toda a população, o acesso às telecomunicações, a tarifas e preços razoáveis, em condições adequadas;

II – estimular a expansão do uso de redes e serviços de telecomunicações pelos serviços de interesse público em benefício da população brasileira;

III – adotar medidas que promovam a competição e a diversidade dos serviços, incrementem sua oferta e propiciem padrões de qualidade compatíveis com a exigência dos usuários;

IV – fortalecer o papel regulador do Estado;

V – criar oportunidades de investimento e estimular o desenvolvimento tecnológico e industrial, em ambiente competitivo;

VI – criar condições para que o desenvolvimento do setor seja harmônico com as metas de desenvolvimento social do País”.

 

Fonte: Teletime

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