Os direitos dos ISPs quanto ao uso de postes

Lívia Carvalho Oliveira (*)

No embate que travam com concessionárias de energia pela utilização de postes, parte dos provedores de Internet se notabiliza pelo desrespeito às normas que regem o compartilhamento desse tipo de estrutura. Não são raras as redes instaladas à revelia das companhias elétricas, sem a necessária aprovação prévia de projetos – que, muitas vezes, sequer existem –, que não atendem a padrões técnicos mínimos e, assim, expõem usuários à falta ou instabilidade de sinal e até a interrupção do fornecimento de energia elétrica, ocasionando acidentes que chegam a causar incêndios. A esses casos, somam-se a instalação de cabeamento por pessoal inabilitado – o que pode resultar em quedas ou choques, por vezes fatais –, redes clandestinas e até as operadas por traficantes, como ocorre no Rio de Janeiro, conforme reportagem de Yuri Eiras publicada pelo jornal Folha de S.Paulo em 1º de setembro de 2022.

Esse cenário favorece as concessionárias perante a opinião pública, particularmente quando realizam ações para retirar redes de fibra de seus postes, o que afeta também os ISPs que obedecem – ou tentam – as normas de sua atividade. Caso notório ocorreu na Bahia. Após a concessionária Neoenergia Coelba anunciar que havia retirado 200 toneladas de cabos de seus postes em 2022, o sindicato local dos ISPs relatou supostos abusos que a concessionária estaria cometendo recorrentemente contra os provedores, como demora de até cinco anos para a aprovação de projetos para instalação de redes e a cobrança de quase R$ 14,00 por poste, sendo que o preço referência hoje é R$ 3,19.

Não são as únicas queixas do gênero e tão pouco se restringem à Bahia. Prova disso é que Anatel e Aneel encerraram, em abril último, uma consulta pública que buscava contribuições para que seja criada uma nova regulamentação para o compartilhamento de infraestrutura. Sem definição de datas para que esta seja redigida, aprovada e entre em vigor, o uso de postes e dutos subterrâneos por redes de telecomunicações segue regido basicamente por quatro resoluções de agências reguladoras. As número 1, de 1999,  4, de 2014, e  1.044, da Aneel, de 2022, são as principais.

A primeira dessas normas estabelece, em seu artigo 11º, como a solicitação deve ser feita pelos provedores e o prazo para a resposta da concessionária, que é de 90 dias. A Resolução 1.044, em complemento, determina que a contagem do prazo será interrompida caso o detentor – no caso dos postes, as companhias elétricas – solicite correção, esclarecimento e informação complementar. Atendida(s) a(s) demanda(s), a contagem será retomada (parágrafo único). Portanto, se forem verídicas as alegações do sindicato baiano quanto aos prazos praticados pela distribuidora em seu estado, a Neoenergia Coelba estaria atuando em total desacordo às normas que regem o compartilhamento de infraestrutura.

Para o provedor, o ideal é buscar a relação mais harmoniosa possível com a concessionária. Até porque, mesmo para algumas redes irregulares, as normas que regem o compartilhamento de infraestrutura garantem direitos – que, na prática, ficam condicionados às intenções da distribuidora de energia.

Esse tipo de ocupação, conforme a Resolução número 4, pode ser classificada como “à revelia” ou “clandestina”. A primeira refere-se a redes que não tiveram projetos aprovados pelo detentor, “mesmo que o ocupante tenha contrato de compartilhamento” com este. Diz a a norma que, exceto em casos emergenciais, provedores têm até 150 dias para adequarem suas redes (artigo 5º, parágrafo 3º). E, quando a adequação não for realizada, a concessionária terá ainda de recorrer à Comissão de Resolução de Conflitos para que possa retirar os cabos em questão. Na prática, porém, as notificações encaminhadas pelas companhias elétricas nessas situações estipulam prazos médios de 30 dias.

Boas consultorias regulatórias são capazes de, nessas trocas de mensagens, valerem-se de conhecimento para buscar a boa relação necessária com as distribuidoras. Já quanto às ocupações clandestinas – cabeamento de empresas não identificadas ou que não têm contrato com a concessionária –, não há o que fazer: podem ser retiradas assim que a companhia elétrica as identifique.

Já o quanto é cobrado pelas concessionárias por cada ponto de fixação de rede em seus postes é tema polêmico. O valor de referência para tal é definido em R$ 3,19 pela Resolução Número 4, de 2014, em seu artigo 1º. Acrescenta no parágrafo seguinte que o valor poderá ser utilizado pela Comissão de Conflitos quando esgotadas as tratativas entre concessionária e provedor sobre o tema. No entanto, não prevê qualquer tipo de correção monetária.

Ao mesmo tempo, a Lei 9.472/1997 determina, em seu 73º artigo, que prestadoras de serviços de telecomunicações poderão utilizar infraestruturas como postes de “forma não discriminatória e a preços e condições justos e razoáveis”. Embora o valor citado na Resolução Número 4 seja, como diz seu nome, apenas um referencial, impõe-se aqui definir o que é “justo e razoável” quando não há reposição inflacionária há mais de nove anos e quando, conforme o sindicato dos provedores da Bahia, não balizaria uma cobrança quase quatro vezes superior na prática.

Boas consultorias regulatórias podem ajudar os ISPs a buscar a legalidade plena em suas atividades. Mas, dentre estas, mesmo as que dispõem de equipes jurídicas não realizam a defesa legal de provedores. Podem, porém, orientar sobre como e por quais caminhos seus direitos podem ser respeitados.

(*) Lívia Carvalho Oliveira é advogada da equipe jurídica da VianaTel, consultoria especializada em regularização e apoio jurídico e contábil a provedores de Internet.

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