Provedores de Internet terão de adotar, a partir de 1º de julho do próximo ano, a nota fiscal modelo 62, a NFCom, quando forem faturar serviços como provimento de banda larga, telefonia fixa – o que inclui algumas modalidades de VoIP – dentre outros que sofrem incidência de ICMS. Instaurado pelo Sinief nº 07, de abril de 2022, o novo modelo corrige imperfeições e traz avanços frente a seus ultrapassados antecessores. Para os ISPs, proporciona uma série de vantagens, como simplificar o processo de emissão. Porém, força também as empresas a tornarem-se mais atentas e abandonar algumas práticas correntes no mercado, principalmente as que podem configurar infrações fiscais. 

Desenvolvida conjuntamente por Anatel, secretarias da Fazenda dos estados e do DF, Receita Federal e alguns grupos empresariais, a NFCom substituirá as notas modelos 21 e 22, usadas, respectivamente, para serviços de comunicação e telecomunicação. Embora já possa ser utilizada, muitos provedores – assim como desenvolvedores de software, emissoras de rádio e TV, jornais e revistas, portais de notícias, dentre outros também afetados pela medida – sequer iniciaram os estudos necessários à implantação da mudança, que será compulsória em menos de onze meses.

A NFCom é uma atualização do sistema tributário que beneficia tanto o Fisco quanto as empresas. Para estas, um dos ganhos é que não será mais necessário classificar os serviços como sendo de comunicação ou de telecomunicação. À revelia da definição sobre os últimos trazida pela lei 9.472/1997, a LGT, unidades da Federação adotam entendimentos distintos para os mesmos serviços que, desta forma, acabam por demandarem notas diferentes conforme o estado em que está o emissor. Embora a alíquota do ICMS seja a mesma para o 21 e para o 22, o uso de modelo diferente do adotado pela respectiva secretaria da Fazenda gera penalidades ao contribuinte. 

A principal vantagem, no entanto, é a possibilidade de automatizar o processo de emissão. No caso das notas 21 e 22, independentemente do software usado, parte do trabalho, como validação, tem de ser executada manualmente, o que mobiliza pessoal e, consequentemente, eleva custos. O mesmo se aplica ao envio, que não ocorrerá mais. Com a NFCom, a nota ficará disponível para o fisco e para o tomador a partir do momento de sua emissão. 

Outro avanço é que a NFCom adota, como a maioria dos instrumentos de tributação, o modelo XML. Para o contribuinte, isso facilita a emissão de declarações, como o SPED, processo de escrituração da Receita Federal realizado mensalmente, dentre outros, por contribuintes do ICMS. Já o fisco passará a ter acesso à nota em tempo real e na formatação mais utilizada para fins tributários. 

Apesar dos benefícios, essas características podem gerar problemas a ISPs que, até por imperícia, praticaram artificialidades tributárias. A adoção do modelo XML e sua disponibilização em tempo real fará com que a NFCom facilite e agilize o cruzamento de informações entre os agentes fiscalizadores. Dentre essas, figuram as que provedores devem encaminhar tanto ao fisco estadual quanto à Anatel.

Se esses aspectos técnicos, por si só, possibilitam que erros, inconsistências, dados conflitantes e afins sejam flagrados com maior frequência pelos fiscalizadores, vale lembrar ainda o estreitamento das relações entre a agência e as secretarias da Fazenda ocorrido durante o desenvolvimento do novo modelo de nota. Isso tende a tornar a colaboração mútua mais frequente. Até porque, durante esse processo, a Anatel pôde compartilhar suas preocupações. 

Uma delas, que certamente figura entre as principais, é a participação dos SVAs nas receitas dos provedores de Internet. A expressão, tanto em português quanto em inglês (Internet Service Provider), deixa claro qual é a principal atividade dessas empresas: a oferta de um SCM. No entanto, os ganhos declarados com Serviços de Valor Adicionado se tornaram tão expressivos entre número crescente de ISPs que a Anatel passou a direcionar sua fiscalização preferencialmente aos que faturam a partir de 40% com essa classe de serviços. Com a NFCom, contará ainda com a ajuda das secretarias da Fazenda para apurar se esses casos resultam de crimes de elisão fiscal. 

A prática se tornou comum por conta da diferença de carga tributária e encargos que recaem sobre SVAs e SCMs. Sobre os últimos, há incidência de ICMS – que, para serviços de telecomunicações, tem alíquotas de 17% a 29% –, PIS e Confins, além de contribuições compulsórias, como as destinadas a FUST e Funttel. Já sobre SVAs, classe de serviços sobre a qual a Anatel não arbitra, há o ISS, que varia conforme o município sede do emissor sem ultrapassar os 5%. 

Muitos provedores atribuem erroneamente ao provimento de acesso à Internet a classificação de SVA, o que, muitas vezes, resulta de boa-fé, seja por conta da orientação de assessorias ruins, seja pela legislação confusa. Ainda em vigor, a Norma 4, publicada pelo Ministério das Comunicações em 1995, define o Serviço de Conexão à Internet (SCI) como o “Serviço de Valor Adicionado, que possibilita o acesso à Internet a usuários e provedores de serviços de informações.”

Ocorre que, posteriormente, a Anatel, em sua Resolução 614/2013, estabeleceu que SCM é o serviço que “possibilita a oferta de capacidade de transmissão, emissão e recepção de informações multimídia, permitindo inclusive o provimento de conexão à Internet, utilizando quaisquer meios”. Enquadrou, desta forma, o acesso à banda larga na categoria. Além disso, incorporou ao regulamento a definição de SVA que constava na LGT, de 1997: “atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações.” 

A fragilidade legal do uso da Norma 4 para redução de carga tributária faz com que as ocorrências mais comuns voltadas a esse fim se caracterizem pela atribuição artificial de parte das receitas – fato gerador – obtidas com o acesso à Internet a serviços que, de fato, são SVAs. 

Isso, geralmente, começa já nas tratativas iniciais com o consumidor. Seja para agregar valor à sua oferta principal – a conexão à Web – ou para fins de fidelização, SVAs, como streaming de vídeo, são ofertados gratuitamente. Nas faturas, porém, parte do que é cobrado pelo pacote de Internet é convertido em custos relativos a Serviços de Valor Adicionado. Nesses casos, como os preços finais coincidem com os que foram previamente acordados, clientes, na maioria das vezes, nada questionam. 

Esse tipo de prática ficará mais exposta aos fiscalizadores com a NFCom. Isso impõe a mudança de comportamento dos que dela se valem. Mas, mesmo que isso ocorra antes da adoção do novo modelo de nota, atos dessa natureza cometidos no passado podem ser apurados por meio dos registros contábeis, que devem estar disponíveis pelo período de cinco anos. 

Afora as ilicitudes comuns no mercado, mesmo que a NFCom simplifique muitos processos, o faturamento de vários serviços permanecerá complexo. Por exemplo, o de SVAs que envolvam a venda de equipamentos que os viabilizam – como ocorre em algumas modalidades de streaming e VoIP. Nesses casos, existirá ainda a necessidade de se emitir notas diferentes: uma para o serviço em si e outra – que será emitida no modelo 55 – para a comercialização do dispositivo. 

A NFCom traz uma série de avanços. Além de substituir instrumentos fiscais arcaicos, simplifica o complexo sistema tributário das telecomunicações. Sua adoção, porém, demanda adaptações que não se limitam às rotinas relativas à emissão de notas: passam também pelo abandono de práticas irregulares adotadas voluntariamente ou não. 

(*) Fabrício Viana é advogado e sócio da VianaTel, consultoria especializada na regularização de provedores de Internet, e da RadiusNet, software de gestão para ISPs. 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *