Publicada no Diário Oficial da União em 10 de novembro, a Resolução Anatel 765 atualiza os direitos dos consumidores dos serviços de telecomunicações. Em linha com o crescente uso de canais eletrônicos, traz mudanças significativas às obrigações das empresas, que passarão a dispor de regras mais flexíveis no que se refere ao atendimento de seus clientes. Isso é particularmente notório entre as que se referem aos pequenos provedores regionais, que compõem quase todo o segmento.

A norma altera a redação de onze outras resoluções, que regem desde a Universalização do STFC aos SeAC, e revoga outras duas, a principal delas, a 632, que trata sobre os direitos dos consumidores de serviços de telecomunicações desde 2014. Começa a vigorar em setembro do próximo ano, exceto por três artigos que terão validade a partir de datas diferentes.

Seguindo sua política de assimetria regulatória – que visa ampliar a capacidade de competição de provedores regionais por meio de regras mais flexíveis que as impostas a grandes grupos –, a Anatel, em sua nova resolução, elimina uma série de obrigações destinadas aos PPPs. Menos rigorosas ainda são as normas que terão de ser observadas pelas empresas que dispõem de até cinco mil clientes que, conforme apresentação do conselheiro da Anatel Vicente Aquino utilizada durante a elaboração do regulamento, seriam 93,3% dos provedores do país.

Ocorre que o conceito do que são PPPs não é claro sequer para a Anatel. Em sua página na Internet, há duas definições. Conforme sua Resolução 694/2018, esses seriam empresas que dispõem de participação de mercado inferior a 5% onde atuam. Já seu Ato 653/2019 destina a classificação a prestadores que não pertencem aos grupos Telefónica (Vivo), América Móvil (Claro), Telecom Itália, Oi e Sky/AT&T.

Eventuais contestações sobre quais empresas recebem a classificação interessam aos envolvidos nos M&As entre as principais prestadoras competitivas – as que deixarem de ser PPPs ficarão expostas a um nível de exigência regulatória maior. No que se refere aos direitos dos consumidores trazidos pela Resolução 765, embora haja maior rigor quanto às obrigações cabíveis a grandes grupos, o grau de prestabilidade exigido passa a ser menor para todas as empresas.

Dentre outros, a oferta de atendimento presencial torna-se facultativa. Grandes operadoras que optarem por mantê-lo não precisarão mais observar regras como o uso, para esse fim, de estabelecimento “dimensionado” para que a espera do consumidor não ultrapasse 30 minutos, como prevê o artigo 36 da Resolução 632. Conforme o novo regulamento, além de observar a legislação que rege princípios de acessibilidade, bastará garantir que o consumidor seja “atendido por pessoa devidamente qualificada” a tratar sobre quaisquer demandas relacionadas aos serviços do grupo. Já PPPs não precisam atender sequer a essa observação em suas lojas, já que ela figura no artigo 20 da Resolução 765, um dos muitos que a eles não se aplicam.

Também foi aberta a possibilidade de venda de serviços que prevejam contratação e atendimento exclusivamente por meio digital – desde que disponibilizado canal alternativo de contato para eventuais paralisações. Neste caso, a norma regulamenta algo que já existe no mercado. Essa formatação, no entanto, exclui muitos usuários que, dentre outros, têm dificuldades para navegar na Internet. Por conta desse público, a possibilidade de que provedores não realizem o atendimento presencial foi contestada por entidades de defesa do consumidor e questionada por ao menos um conselheiro da Anatel durante a formulação da norma.

Não é esperado que as teles fechem suas lojas. Além de serem elementos de marketing fundamentais de suas marcas, essas unidades servem tanto ao atendimento a clientes quanto à comercialização de serviços e dispositivos. O mesmo se aplica aos ISPs de médio e grande portes. Já entre os menores, a ideia de cortar custos reduzindo ou fechando canais de comunicação do cliente pode soar atrativa. Convém, no entanto, avaliar se isso não resultará em prejuízos adiante.

Isso vale para outras possibilidades trazidas pela norma. Tanto grandes operadoras quanto PPPs terão até dez dias corridos para solucionar as demandas de consumidores que não puderem ser atendidas de imediato. Neste ponto, o novo regulamento impõe maior agilidade às empresas, já que a Resolução 632 prevê até dez dias úteis. Já para os ISPs que têm menos de 5 mil acessos, não há prazo definido para a resolução de problemas de clientes.

A estes provedores aplicam-se apenas as determinações contidas no Capítulo I do Título II e Capítulo I do Título III da nova resolução que, de forma geral, trazem seus conceitos, mas não regras que estabeleçam como se dará seu efetivo cumprimento. Nestes trechos, as referências mais próximas à forma como queixas de clientes devem ser resolvidas encontram-se no inciso XI do artigo 4º do capítulo I do Título 2, que determina “resposta eficiente e tempestiva, pela Prestadora, às suas reclamações, solicitações de serviços e pedidos de informação” e que o atendimento é regido por princípios como acessibilidade, cortesia, dentre outros – Capítulo I do Título 3.

Da mesma forma, o regulamento determina que esses ISPs devem prover os serviços comercializados “dentro dos padrões de qualidade e regularidade previstos na regulamentação, conforme as condições ofertadas e contratadas” e possibilitar que consumidores conheçam previamente, dentre outros, seus canais de atendimento e suporte e o índice utilizado para reajustes. Mas, para esses, não há nada tão assertivo quanto a obrigatoriedade de disponibilização, por demais PPPs, de atendimento telefônico por, no mínimo, oito horas em dias úteis (artigo 91), e de oferecer canais alternativos relacionados a serviços contratados que disponham de atendimento exclusivamente por meio digital (parágrafo 1º do artigo 24) – válida também para as teles.

Sem a disposição de regras claras para provedores que possuem menos de 5 mil acessos, o novo regulamento possibilita que rotinas adotadas por essas empresas, a partir das determinações da Resolução 632, sejam abandonadas, que canais voltados ao atendimento do público sejam fechados e/ou tenham seu horário de funcionamento reduzido e até que a contestação a parte das queixas de consumidores que venham a recorrer a Anatel e Procon seja juridicamente embasada. Convém fazê-lo?

A multiplicação dessas empresas foi o que fez o número de acessos fixos saltar de 31,2 milhões para 44,9 milhões entre 2018 e o ano passado, fazendo com que, conforme o IBGE, 91,5% das residências do país estivessem conectadas à Internet em 2022. Isso mais do que justifica o tratamento diferenciado dado a elas pelo agente regulador.

Essa expansão, por outro lado, gerou também distorções, como vários provedores operando simultaneamente em cidades habitadas por poucos milhares de pessoas. A pulverização sempre foi notória, a ponto de ser um dos principais motivadores da onda de M&As no segmento. Se grandes PPPs passam realizar fusões e aquisições entre si – aguardando o interesse das teles –, os provedores de menor porte que estiverem próximos de suas áreas de atuação serão comprados – se apresentarem redes e carteiras atrativas o suficiente – ou terão grandes dificuldades para competir com as empresas que surgirão nesse movimento.

Por atuarem em localidades que têm população reduzida, as carteiras de clientes são os principais ativos desses provedores. Gerar insatisfação de usuários significa se expor a regras muito mais rigorosas que as da Anatel: as do livre mercado que, particularmente no caso desses ISPs, são devidamente impostas pelo poder de escolha dos consumidores.

Se a Resolução 765 possibilita o corte de custos por meio da redução de canais de atendimento, deve-se equacionar devidamente até onde isso deve ser efetivado. Cabe a essas empresas observar como e quais deles são condizentes com a realidade das pessoas dos locais onde atuam, disponibilizar aqueles que garantem a esse público “acesso e fruição dos serviços” – como prevê a norma –, mensurar em quais moldes essas ofertas podem efetivamente ser entregues e garantir a clientes, em informes e, sobretudo, contratos, seu fornecimento. Se esse tipo de ação não é mais obrigatório, passa a ser um diferencial competitivo. Limitar-se ao estrito cumprimento do que prevê a nova resolução levará usuários para os concorrentes que optarem por outros caminhos.

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