As Polícias Civis de vários estados têm realizado operações para combater a disseminação de plataformas de apostas online que se popularizaram a partir da promessa de altos e rápidos ganhos financeiros mas que, conforme volume crescente de denúncias, têm gerado sérios prejuízos aos participantes.
Por conta das empresas donas de jogos como Fortune Tiger e Crash – mais conhecidos, respectivamente, como jogo do tigrinho e jogo do aviãozinho –, destacados em recentes reportagens pela grande imprensa, não possuírem representação no país, essas ações vinham tendo como foco principal seus divulgadores, notoriamente, influenciadores digitais que se caracterizam pela ostentação de bens e estilo de vida luxuosos viabilizados, conforme seus posts, pelos ganhos obtidos com esses aplicativos. Agora, porém, os esforços buscam impedir o acesso a esses jogos, o que passa necessariamente pelos provedores de Internet.
No início de janeiro, a Anatel encaminhou ofício a prestadores de SMP e SCM de todo o país determinando que, em cumprimento a decisão judicial, fosse bloqueado imediatamente o acesso a cinco endereços de sites de jogos, tanto diretamente pelas suas URLs quanto por ferramentas de busca. O processo em questão, assim como outros que tratam do mesmo tema, correu na Justiça paulista. Portanto, é provável que disposições semelhantes surjam num futuro próximo, partindo tanto das cortes de São Paulo quanto das de outras unidades da Federação.
A determinação encaminhada pela Anatel é semelhante a algumas que antecederam a última eleição, quando, também em cumprimento a decisões judiciais, a agência direcionou aos provedores de Internet ordens para a suspensão do acesso, em todo território nacional, a endereços eletrônicos que estariam divulgando fake news, mensagens de ódio e de descrédito ou incentivo a sabotagem do processo eleitoral.
Nesses casos, assim como nos dos jogos, as decisões são encaminhadas pela Justiça ao órgão regulador, que as repassa aos que realizam as conexões, ou seja, todas as prestadoras autorizadas. Apenas os ISPs podem fazer com que essas determinações sejam levadas a cabo, impedindo que internautas acessem sites específicos.
O impedimento é feito pelas prestadoras por meio da inserção de regra de bloqueio de endereço nos roteadores de borda e/ou DNS. Desta forma, sempre que forem identificadas em suas redes composições que identifiquem ou remetam a essas páginas, o acesso será inviabilizado. Isso se dá tanto por meio da URL quanto de buscadores como o Google, o que atende à determinação da agência de que esses sites também sejam “bloqueados nas empresas que oferecem DNS para consulta pública”.
Embora o ofício da Anatel deixe claro que se trata de uma decisão judicial e, como tal, tem, necessariamente, de ser cumprida, não há uma maneira efetiva de se averiguar se os provedores a estão cumprindo. A identificação dos que não o fizerem, no entanto, pode se dar por vias indiretas, podendo resultar sanções futuramente.
Tipificados pela Justiça como jogos de azar e, portanto, contravenção, as plataformas-alvo da decisão assim como suas similares estão permanentemente sujeitas a investigações por parte da polícia, mais ainda quando seus usuários vêm a público relatar suas usuais perdas ou quando buscam reparação.
Caso jogos que deveriam estar bloqueados venham a fazer novas vítimas, as diligências das autoridades obterão, com facilidade, informações suficientes para identificar onde e sobre quais IPs as conexões foram realizadas. Desta forma, provedores que, embora previamente notificados, não cumpriram esta e outras determinações judiciais semelhantes, serão descobertos.
Em casos assim, a Justiça tem adotado a aplicação de multas como forma de garantir o efetivo cumprimento de suas determinações. Definidas pelo(a) juiz(a) responsável, que pode alterar seu valor ao longo do processo (parágrafo 1º do artigo 537 do Código de Processo Civil), são devidas “desde o dia em que se configurar o descumprimento da decisão” (conforme o parágrafo 4º do mesmo artigo 537 do CPC). Portanto, como o ofício da Anatel determinava o imediato bloqueio dos endereços, eventuais penalizações seriam retroativas à data de recebimento da mensagem.
Outro desdobramento possível é a Anatel suspeitar que as suas próprias determinações, assim como as da Justiça, também são ignoradas pelos faltosos, o que pode motivar seus atos fiscalizatórios. Estes, caracterizados pelo rigor, raramente são encerrados sem que alguma irregularidade seja identificada.
(*) Raphaelle Timporim Militão Ferreira é integrante do departamento jurídico da VianaTel, consultoria especializada na regularização de provedores de Internet.