Inúmeros processos que a Anatel tem direcionado a provedores desde abril têm o mesmo tema: “Arrecadação: Comunicação de Cobrança”. Pode-se afirmar que o número de ISPs chamados a dar esclarecimentos dessa forma é de alguns milhares. Isso, sem que a agência tenha se manifestado sobre a abrangência de sua ação e tendo como base apenas as ocorrências registradas por consultorias regulatórias.
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Em todos os casos observados, direcionaram-se os processos a PMEs com mais de 10 mil clientes. Em linhas gerais, eles trazem questionamentos quanto às receitas obtidas com serviços não regulados pela agência e que, assim, não figuravam – e passam a fazê-lo – em suas coletas mensal, semestral e anual.
Os processos, resultantes do cruzamento das informações que recebe dos ISPs com as que esses remetem a outros órgãos, servem para que a Anatel averigue a veracidade da origem de receitas não relacionadas a serviço de comunicação multimídia (SCM), Serviço Móvel Pessoal (SMP), Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC) e serviço sucedâneo dos atuais Serviços de Televisão por Assinatura (SeAC). Em suma, a agência busca saber como empresas que atuam a partir da obtenção das licenças que ela concede elevam seus faturamentos com outras ofertas.
MOTIVAÇÃO
É difícil supor a motivação da Anatel para tal empreitada. Provavelmente faz parte de seus esforços para combater a atribuição indevida de receitas originadas por SCMs com serviços de valor agregado (SVAs). Provedores usam essa prática para reduzir artificialmente a carga tributária e as contribuições compulsórias sobre seus serviços.
Há um ano, a agência criou um grupo de trabalho dedicado ao tema. Nele se estabeleceu a relação 60% de SCM e 40% de SVA como balizador para direcionamento de seus atos fiscalizatórios.
Crescentes nos portfólios dos ISPs, os SVAs, VoIP e, principalmente, plataformas de streaming – não sofrem incidência de ICMS, PIS e Cofins e não implicam no recolhimento de Fust e Funttel. Por conta disso, muitos provedores passaram a atribuir à classificação parte das receitas obtidas com serviços regulamentados pela Anatel. Principalmente o provimento de acesso à Internet. Criminosa, esta artificialidade tributária configura elisão fiscal.
COLETA DE DADOS
Provavelmente por conta desses esforços, a agência incluiu em sua coleta de dados Econômico-financeiros e Técnico Operacionais o campo “Outros”. Nele as empresas devem relatar a soma das receitas não relacionadas a SCM, SMP e SeAC.
Nele, deverão constar os faturamentos resultantes da oferta de STFC, SVAs e tudo o que o provedor dispuser em portfólio. Portanto, mesmo que não sejam alvos desse tipo de processo, ISPs terão de relatar à Anatel seus ganhos totais. O que tende a tornar evidentes práticas irregulares mesmo entre as empresas de menor porte.
MUITAS NORMAS
Essas artificialidades, porém, não resultam necessariamente de má-fé. Há muito material disponível na Internet que atribui ao próprio provimento de acesso à Internet a classificação de SVA, o que resulta da sobreposição de normas.
A Resolução 614 da Anatel, de 2013, define, em seu artigo 3º, o SCM como serviço “que possibilita a oferta de capacidade de transmissão, emissão e recepção de informações multimídia, permitindo inclusive o provimento de conexão à internet, utilizando quaisquer meios”.
SVA é, conforme o artigo 7º, “atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações”.
Já a norma 4, publicada em 2015 pelo Ministério das Comunicações, estabelece que o Serviço de Conexão à Internet (SCI) é o “Serviço de Valor Adicionado, que possibilita o acesso à Internet a Usuários e Provedores de Serviços de Informações”. Embora esta ainda vigore, a definição válida dos serviços é a trazida pela Anatel.
Desta forma, o provedor de acesso à Web é considerado um SCM e, como tal, a empresa deve registrá-lo contabilmente e declará-lo na coleta semestral. Seja por meio de processos ou pelos dados que recebe de provedores, a agência estará atenta a isso.
*Bárbara Castro Alves é gerente de processos regulatórios da VianaTel, consultoria especializada na regularização de ISPs.