Em uma das primeiras visitas oficiais que recebeu à frente do Ministério das Comunicações, Juscelino Filho ouviu de representantes da Abrint que as dificuldades de provedores em acessar postes consistia no maior obstáculo ao crescimento da Internet no país. Exageros à parte – a demanda por novas conexões iniciou rápida queda a partir de meados de 2022, freando sua expansão –, o compartilhamento de infraestruturas recebeu a atenção devida por um governo que, desde o discurso de posse de seu principal mandatário, colocava a universalização do acesso à Web como uma de suas prioridades.
Em setembro de 2023, surgiu a Política Nacional de Compartilhamento de Postes (PNCP), chamada também “Poste Legal“, que acelerou a elaboração de novo regulamento pela Anatel. Esta apresentou sua proposta já no mês seguinte. A unanimidade observada no processo de aprovação na agência parecia se estender aos principais envolvidos: cidadãos, gestores e parlamentares municipais e estaduais preocupados com os riscos de acidentes e poluição visual; empresas e trabalhadores do segmento de instalação de redes, que aguardavam o fim da insegurança que os emaranhados de cabeamentos promovem; ISPs que poderiam ampliar suas redes sem enfrentar abusos quanto a prazos de avaliação de projetos e valores abusivos cobrados por ponto de fixação.
Não agradava, porém, a Aneel, principalmente por conta da transferência da gestão dos postes, que passaria das distribuidoras para o chamado “posteiro”. Por conta disso, a proposta do regulador de telecomunicações permaneceu ali “sob vistas” desde o seu recebimento. A publicação do Decreto Presidencial 12.068, em julho último, que determinava a cessão de pontos de fixação e faixas de ocupação a “pessoa jurídica distinta” das concessionárias, parecia por fim à discussão. A autarquia, porém, ao invés de acatar a ordem do Poder Executivo, optou por levar todo o processo de criação de um novo regulamento para a estaca zero.
A decisão da agência produziu efeito antagônico ao observado quando a Anatel apresentou sua proposta: desagradou a muitos, incluindo distribuidoras de energia, que, em tese protegidas pelo regulador de seu mercado, apontavam informalmente o surgimento de certa insegurança jurídica quanto a uma atividade que lhes proporciona receitas.
A contrariedade foi observada em inúmeras manifestações que se seguiram à decisão, tanto as de entidades que representam empresas da cadeia de telecomunicações quanto as da Anatel e do Poder Executivo, onde a formalidade tradicional observada em notas oficiais deu lugar a notória irritação. Isso foi mais evidente no caso do Ministério das Minas e Energia, ao qual, apesar de sua independência, a Aneel é vinculada.
Em comunicado público, o titular da pasta, Alexandre Silveira, afirmou que decisões como a da autarquia protelam “o interesse público de ter uma solução digna para a situação insustentável dos postes no Brasil”. Acrescentava esperar que a diretoria da agência “tenha a responsabilidade e senso de urgência necessários para cumprir com zelo sua importante função”. Dias depois, o ministro enviou ofício ao órgão, afirmando que, persistindo sua “inércia” e “crônica omissão”, que gera “quadro de insustentável gravidade, que prenuncia o comprometimento de políticas públicas”, poderia optar por intervenção e “responsabilização dessa Diretoria”.
No voto que orientou a decisão do colegiado, o diretor-geral da Aneel, Sandoval de Araújo Feitosa Neto, observou que postes são ativos vinculados ao serviço de distribuição de energia, o que coloca em dúvida a legalidade da perda, pelas concessionárias, de sua gestão. Admitia haver abusos de parte dessas empresas na cessão de pontos para fixação de redes de telecomunicações, mas que existiam também “experiências exitosas”, que tornam injustificável privar as distribuidoras da exploração da atividade. Segundo ele, faltam evidências quanto à prestação inadequada e de “abuso de poder de mercado” que tornem plausível a interferência dos órgãos reguladores.
Apesar de alguns de seus argumentos serem irrefutáveis, o cenário mencionado por Feitosa Neto difere muito de relatos trazidos por entidades de classe e ISPs, principalmente os de menor porte. Além disso, havendo apenas uma concessionária por unidade da Federação, práticas que podem ser classificadas como abusos de poder de mercado devem ser comuns em vastas extensões territoriais.
Inúmeros casos ilustram a dificuldade de acesso aos postes relatada pela Abrint a Juscelino Filho em um de seus primeiros dias como ministro, as quais caracterizam descumprimento da regulamentação em vigor. Conforme declarações feitas em 2023 pelo presidente do Sindicato das Empresas de Internet do Estado da Bahia (Sineasba), André Costa, a Neoenergia Coelba levava até cinco anos para avaliar projetos de instalação de redes. O parágrafo 1º do artigo 11 da Resolução Conjunta (Anatel, Aneel e ANP) Nº1 estabelece 90 dias como prazo máximo para que concessionárias emitam pareceres dessa natureza.
Em meados do ano passado, a partir de ação da Abramulti, a Cemig foi alvo de cautelar que a obrigava a atualizar seu cadastro de ocupação de postes. Embora a Resolução Conjunta (Anatel e Aneel) Nº 4 estabeleça, em seu artigo 9º, que a atividade deve ser realizada continuamente, segundo a associação, ela não ocorria há nove anos, o que deixava os provedores sem meios para saber se seus projetos de implantação e expansão de redes eram viáveis.
Também podem ser considerados abusos de poder de mercado os valores cobrados de ISPs por ponto de fixação em postes. Na Bahia, segundo André Costa, do Sineasba, a concessionária estabelecia, em 2023, R$ 14 para PPPs enquanto que a Oi pagaria apenas R$ 1. No início daquele ano, no Ceará a cobrança era de R$ 13,83, sendo que provedores locais poderiam também ter de arcar com uma nova tarifa da Enel, a qual, segundo a Abrint, poderia encarecer os pacotes de Internet em 70%. A associação classifica como abusivas cobranças a partir de R$ 12. Já a Anatel, na proposta rejeitada pela outra agência, propunha R$ 5,00 como valor de referência.
Também se contrapõe à regulamentação vigente o argumento da Aneel de que não há justificativas para privar as distribuidoras da gestão dos postes.
Isso foi observado pela Abrint, que se contrapôs à posição da Aneel. Conforme o noticiário, logo após a decisão da agência vir a público, a entidade observou que o chamado posteiro cumpriria importante papel, já que as elétricas não estariam atuando de forma satisfatória na fiscalização do compartilhamento de postes.
(*) Fabio Vianna Coelho, engenheiro eletricista e de segurança do trabalho, é sócio da VianaTel, consultoria especializada na regularização de ISPs, e do RadiusNet, software de gestão para provedores.
Artigo publicado originalmente pela Revista ISP Mais, em sua 38ª edição.